VIDA DE PEÃO - UMA DENTADURA

sexta-feira, março 12, 2010 0 comentários

A dignidade humana não tem uma definição única aceitável como sendo um padrão. Cada época, cada conjunto de valores que permeiam o cotidiano das pessoas estabelece um modelo de dignidade a ser seguido. Pelo menos para a maioria. Essa mesma maioria que é dada a aceitar de bom tom e pouco ruído crítico aquilo que escorre pelos canais de televisão, que rumina das bocas dos entendidos ou poderosos. Vira coisa de todos. O diferente é indigesto. Ou é excluído, ou é marginalizado, ou é ridicularizado. Para clarear esse nublado pensamento, exemplifico com a modernidade.


A dignidade padrão da atualidade é medida pela quantidade de bens que consumimos. Quanto mais coisas se pode ter, mas se é considerado digno. Já houve ocasiões em que ética, moral, bons costumes, conferiam alguma dignidade pública. Agora, no máximo uma admiração tímida e velada. Nada que possa ser alardeado. A menos que esteja em companhia de dinheiro ou fama.


Pois bem, o Seu Zé Antônio tinha uma dentadura. Um par, exatamente. Dessas tratadas a água potável na hora do descanso noturno para higienização e repouso das mandíbulas oprimidas o dia inteiro. Fazer o quê, é preciso sorrir com dignidade! Sem contar que também se faz necessário mastigar.


Ele foi à fossa fazer sua eliminação das coisas mastigadas e demorou demasiado. Peão de obra não pode demorar no banheiro. Mas a demora estava preocupando acima da implacável punição àqueles que fazem corpo mole ao pesado serviço de obra. Podia ter se sentido mal. Seu chefe era um pouco condescendente com ele. Sabia de sua dignidade profissional, já trabalhavam juntos há muitos anos. Foi lá uma comitiva conferir. Batem à porta e ele sai, então, cabisbaixo, quase num choro convulsivo. A dentadura havia caído lá embaixo, enquanto ele fazia força para defecar. Teve uma vergonha enorme que chegou a lhe causar confusão mental. Não sabia se resolvia sozinho ou se pedia ajuda. Manchara a sua dignidade de cal e fezes. Embora não tivesse dinheiro para mandar fazer outra. E, diante da vergonha e da necessidade optou pela necessidade. Arranjou uma escada, desceu em meio à cal que cobria o odor das fezes múltiplas e buscou a dentadura. Colocou-a num copo com álcool. Ali ficou até o fim do expediente se purificando. Acreditou estar esterilizada após uma lavada em forte jato de água com sabão e recolocou a sua dignidade na boca.


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