Os quatro cavaleiros

domingo, outubro 17, 2010 2 comentários


Dez minutos atrás, foi como uma premunição.
Dois moleques caminharam em minha direção.
Não vou correr, eu sei do que se trata.
Se é isso que eles querem.
Então vem, me mata".

(Tô ouvindo alguém me chamar, Mano Brow)

157. Mal o dia amanhecera e eu enxerguei o primeiro cavaleiro. Primeiro me assustei — os homens maus costumam se assustar por quase nada. Imaginei que fosse um daqueles delírios provocados pela raiva. Nessas horas gafanhotos saíam da minha boca. Não, não era. Vinha vestido de branco, trazia um chapéu de feltro na cabeça e um 38 na cintura. Sua cara tinha a fúria dos assassinos que já sentaram à minha mesa, já compartilharam do meu ódio, já vomitaram do meu pão. A guerra começara.

Pôsteres de mulheres peladas se misturavam ao cheiro de mijo, café e carne crua. As paredes testemunhavam promessas de vingança. Camisetas e cuecas sujas esbarravam nos meus pensamentos: as grades, os cavalos, o tiro, a faca e o resto da merda toda que me colocou aqui. Poluem a minha mente meus inimigos de escola, os sempre foda, os sempre bons e eu sempre no fundo do poço remendando rancores velhos e recentes com linha imprestável. "Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. / E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil".
O dia está claro, ofuscante, e os ponteiros do relógio riem sarcásticos da minha cara de idiota. Embora aqui seja tudo tão imundo, eu sei que lá fora o sol queima o câncer de algum suicida. Os cavalos brancos me perseguem. Agora os párias brigam por restos, lá fora eu podia colher, do pé, frutas de mil reais, aqui eu espero a luta parar e recolho as migalhas. Não ligo pra eles, não os encaro, é arriscado demais. 157. Se não fossem os números já teria saído. O julgamento já teria acabado.
O sol se põe, adivinho pelo barulho dos ratos, eles preparam-se para sair das tocas. Esfreguei os olhos com os punhos fechados. Inútil, ele insistiu em aparecer, não pude fazer nada. Corpos suados e fedorentos aglomeravam-se ao meu redor. Era o segundo cavaleiro. Galopava coberto de sangue e vinha em minha direção. Trazia na mão esquerda um canivete. Alguns homens são fracos e corruptíveis. Meu corpo tremeu, não era medo do corte, era preguiça da luta, era nojo da lama do vale dos mortos. 157. O inferno batia à minha porta. Cabala, mau presságio. É preciso saber ler os sinais. O rosto era anguloso, disforme. Tentei segurá-lo, abocanhei o seu braço musculoso, entretanto ele era forte demais. Caí, o canivete entrou entre minhas costelas, encostou-se em um dos meus rins. Apaguei.
A noite chegou, estava com a boca seca e amarga, era preciso beber, mastigar, rasgar um pedaço de uma coisa qualquer. Passavam um algodão molhado na minha boca. Queria socá-los, não podia, estava amarrado. Estava com fome e uma sonda enorme invadia meu corpo. Foi nessa hora, por volta das 11 da noite que eu avistei o terceiro cavaleiro. Ele vestia um terno negro e trazia dois soros, um em cada mão. Minha fome aumentava. Ele soltava gargalhadas. Ele parecia pesar meus pecados e contabilizá-los. 157. Esse é o número da minha desgraça.
A madrugada estava no fim e ainda não tinha dormido. Meu corpo queimava como brasa. Litros de suor e remorso atravessavam minha pele. O corte fedia, estava coberto por um líquido amarelo-esverdeado, uma espécie de decomposição precoce. Entrei em estado de delírio. Foi então que toquei meu dedo no quarto cavaleiro. Ele virou-se e pude ver seu rosto desfigurado. Era chegada à hora. 157. Esse foi o número do meu destino.

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