Terceiro caminho

quarta-feira, fevereiro 03, 2010 2 comentários

Era uma noite de inverno e eu estava em alguma cidadezinha dessas com praça central, uma única rua larga e a igreja. Na verdade era julho e a lua estava cheia no céu, cara! Já tinha perambulado por vários cantos e essa era só mais uma noite em uma cidade pequena com pessoas pacatas. Estava muito cansado e com fome, sentado em um banco velho de madeira gasta pelo tempo. Fazia um sol do caralho de dia nestas redondezas e minha pele estava tão ressecada quanto suja de poeira.
Absolutamente do nada surgiu um cara na minha frente com um livro gasto embaixo do braço. Pronto, pensei, deve ser um desses caras querendo catequizar uma alma perdida qualquer com salmos e versículos. Mas foi estranho porque ele sorriu de uma forma esquisita, como se soubesse o que eu pensava e logo se sentou ao meu lado. Eu estava muito exausto, mas não podia dispensar uma conversa com qualquer que fosse o sujeito – santo ou louco.
“Essa porra parece um deserto, cara!”, falei enfático, “de dia faz um sol do caralho e de noite faz um frio bizarro.”. O sujeito suspirou e disse, “Filho, você já esteve em um deserto?”. Fiquei surpreso com aquela pergunta, imaginei que ele fosse balançar a cabeça concordando, como as pessoas geralmente fazem em conversas casuais. “Não cara, nunca estive”, respondi meio contrariado, “mas já andei por muitas bandas e sempre ouço dizer por ai que o deserto é assim como esse fim de mundo: quente de dia e frio de noite.”. O sujeito balançou a cabeça como quem já imaginava minha resposta e disse, “O deserto é um lugar perfeito, lá a evolução natural das coisas e da vida chegou ao estado equilibrado. Sabe por quê?” perguntou ele. “Porque todas as cidades, pequenas ou grandes, estão rumando ao estado de deserto, umas mais lentamente que as outras, mas estão. Por enquanto os desertos são ilhas desconexas, mas no futuro tudo será um único e grande deserto.”, continuou ele, “Rapaz, no deserto a coisa é pura de verdade. Para se viver lá é preciso estar preparado para a harmonia e o retiro. Todo o asfalto e os prédios das cidades serão, pouco a pouco, tragados pelas tempestades de areia que inicialmente vão nascer das praias na costa, cobrindo tudo até o interior. Eu tenho a impressão que o deserto é o limbo filho!, e não se pode viver muito tempo no limbo. Não se vive muito tempo sendo tentado pelo inferno e pelo céu, faz-se necessário uma escolha. Se você acha que aqui é o deserto comece a preparar a sua mente para o desconhecido e para a escolha. Não muito distante vão surgir na sua frente duas estradas, aparentemente iguais, e você vai escolher por uma. Poucos escapam deste destino. As ratazanas do deserto vão te saquear no calor infernal do dia ou no frio glacial da noite. E isto é tudo. Mas eu conheço um outro caminho. Tome este livro.”
Que sujeito louco. Fiquei impressionado e extasiado com aquele filósofo caipira. Depois deste discurso não achei que ele quisesse me catequizar, não da forma como havia pensado antes. No entanto, essa ideia dele me soava como profecia, uma coisa estranha qualquer que alguns “loucos” sempre falam por ai e ninguém dá atenção.
O sujeito deixou o livro em cima do banco e se levantou. Quando eu olhei pro livro ele já tinha sumido. A capa do livro era preta, sem qualquer palavra. A primeira página tinha apenas uma frase inacabada, “Eu sou o terceiro caminho...”, estranhamente escrita com uma letra parecida com a minha. Que merda é essa?, pensei. Folheei o livro curioso, as folhas eram velhas e amareladas, e vi que estava tudo escrito com a minha letra. Era o diário da minha vida, com tudo descrito, meus pensamentos, os fatos, as pessoas... Comecei a lê-lo ali mesmo. A fome passou tamanha era a minha curiosidade. Li a noite inteira.
Amanheceu e o sol raiou atrás de mim, torrando meu corpo estendido naquele banco. Estava terminando de ler o fato da noite passada, quando virei a folha posterior e no meio dela tinha apenas um fragmento de uma frase, que parecia corresponder aquela da primeira página; “...sem destino algum.” E todas as outras páginas seguintes a esta eram brancas e novas.

Peter Zoster

2 comentários:

Postar um comentário

Followers

 

©Copyright 2011 Sinestesia Cultural | TNB