FAVELA

sábado, fevereiro 13, 2010 1 comentários
No Arraial de Canudos tinha um lugar de morro alto, coberto por uma planta chamada a favela. Aquele lugar daquela da guerra santa(?) dos humilhados e ofendidos, precursores do MST, com um viés religioso. A luta deles era pela sacralização da terra, muito mais do que pela sua apropriação privada, como a conhecemos de acumulação de latifúndios. Tinha mais a ver com a confusão da recém criada república e a forma bestializada em que o povo ficou depois da proclamação sem aviso prévio. A corte sabia mais que iria perder o trono do que o povo sabia que iria tomar as rédeas do poder e assumir a responsabilidade. Que não assumiu nunca.

Mas o tema aqui não é esse. Volto à favela, cuja responsabilidade tem que ser repartida entre a monarquia e a república.

Os soldados da república que foram combater os amotinados de Antônio Conselheiro, lá na Bahia do século XIX ficavam alojados no morro, em condições de acomodação e higiene precárias. Quando voltaram para o Rio de Janeiro, voltaram também para suas casas nos morros onde residiam, com seus baixos (e sempre atrasados) soldos e nas mesmas condições de acomodação e higiene precárias. Só que ali não estavam de passagem nem em missão de combate.
Associaram o nome ao lugar e o lugar ao nome. Estava fundada a favela que foi se desenfeitando de plantas e se enfeiando de muitos barracos daí para frente num crescimento que não parou mais.

Hoje a serventia é variada. Tem muito combate, inclusive. Mas não caiamos no lugar comum das generalizações. A grande e esmagadora maioria de seus habitantes é composta de gente de bem, trabalhadores e trabalhadoras, estudantes, artistas (muitos), esportistas, gente que tem em todos os pontos cardeais de uma cidade. Ocorre que por uma geografia do descaso, ou do “empurra para lá” do poder público, virou sinônimo de “barra pesada”. Aqui no asfalto, as mesmas faltas, desvios e deslizes são tratados de forma diferenciada, escamoteada até, dependendo de quem são os agentes ou personagens. O morro já carrega o estigma da violência por qualquer coisa; então qualquer coisa pode ser justificada e contemporizada pela platéia cá de baixo. Fizemos coro com a corte e com o brasão das armas empurrando também para lá as mazelas, erguendo muros. Os muros eram apenas alicerçados nos preconceitos. Agora já começam a ganhar alvenaria de verdade. Dizem que é para proteger o verde. Desconfio que esteja mais para encobrir o vermelho. De sangue e vergonha.

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