Katyuscia Carvalho |
A poesia de Katyuscia Carvalho nos orienta a um senso coletivo, um existir nos outros é assim que percebo a essência de seus versos. Um estar em tudo e em qualquer tempo, ao mesmo tempo e solamente: “sou essa tenda para os exilados“ verseja a poetisa em seu poema Breathturn. Noto sua humanidade, sua ideologia e seu teor do bem comum gritar em poemas como Apêndice: “vives na borda sempre à margem“ e um duelo sincero a ditadura do tempo, uma audácia as crenças tradicionais em A Rosa que não Seca:“A vida sempre fora uma criança mais nova do que eu era/ se voltei foi para buscar o instrumento da música que esqueci no meu corpo de antes ...”
Apreciem sem moderação:
:: Nitescência ::
Usas frases impermeáveis
para te protegeres do frio alheio
Eu faço das palavras
a minha lenha
:: Apêndice ::
És beira és rasa
não aprofundas
vives na borda
sempre à margem
(e és margem em todas as bordas)
Tudo o que a vida te roça
em ti se encalha
:: Ilogística ::
que
nunca seja tarde acordar
para
um lugar
e
inabitá-lo
que
nunca seja lógico
desfragmentar-se
para caber
numa
identidade
mundial
:: Breathturn ::
[
sou essa tenda para os exilados
vincada
no meio de um mapa na palma
da
mão
onde
linhas me guiam como estrelas presas
por
um cordel ]
:: À rosa que não seca ::
A vida sempre fora uma criança
mais nova do que eu era
se voltei foi para buscar o
instrumento da música que esqueci no meu corpo
de antes, sobre uma cancela rangente
- repara
não foi possível reter o poente na
minha garganta
para que relembrar os ritos das
chuvas quando as sedes
de todos os rios já secaram, menos
meu cabelo?
um recorte, com precisão de
estribilho, nesse aboio obstinado
rompendo o álbum em desamparo a tudo
o que não atino, ou apuro
chegar de volta a essa voz de asa
rasgada, ser recebida com tambores
d’água, rastros de
latas de atlântico nos olhos
corredeiras para antigos barcos de
papel
não sei da força - e que força
não me sobre - só
o que conseguir arrancar dela, como
a uma brava rosa muito rara
Nascida com
as águas de março, pernambucana de raízes e dialeto. Formada em
Letras, lecionou todo o tempo em que viveu no Brasil, desenvolvendo projetos de
inserção de saraus de poesia em salas de aula. Emigrou por
amor. Fia, em
tronco indígena – Kanauã Kaluanã –, uma rede poética com fibras
híbridas de vozes que vibram pelo mundo.
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