Não há fuga possível quando se vive diante de espelhos. Isso tanto pode ser uma metáfora como pode ser uma realidade de aprisionamento depois que se alcançou um estágio, digamos profundamente repleto de culpas, desejos, se cobriu de mascaras e se embrenhou em aventuras e depois se resolveu voltar olhar para dentro de si mesmo, através dos espelhos em um cômodo onde eles estejam nas quatro paredes para onde você se virar. É através deles que você vai reviver tudo que sofreu, que gozou, que pensou, que imaginou, que delirou... Imaginemos o tormento de quem vive encarcerado com seus próprios devaneios existenciais e de suas realidades mais ou menos plácidas dependendo de qual é o grau de envolvimento com o prazer, com o absurdo, com o imponderável, com o perigo. É o que compõe este romance produzido como se fosse uma miragem que é viva, que é miragem, que é real, que é sonho. Não se trata de um livro sobre a loucura humana, mesmo considerando que há nele uma grande porção dela explorada com o mais alto condimento literário, histórico, filosófico e psicológico pela autora, que deixa os personagens divagarem sobre si mesmos todo o tempo como se eles é que estivessem falando ora sós, ora ao leitor da forma mais escancarada possível. A narrativa é tensa, mas, e talvez por isso mesmo, envolvente desde o primeiro até o último capítulo, que se encerra feito um auto da compadecida, sem nenhuma condescendência, no entanto entre o sagrado e o profano, sem nenhuma segunda chance, sem remissão. A catarse final do personagem principal é um estímulo curioso: a gente acaba voltando ao princípio de tudo para desenovelar a trama urdida com uma competência que a autora demonstra insuspeita, prazerosa. O livro é para quem gosta de fortes emoções, de belos pensamentos, de longas incursões pelo submundo do interior árido e fértil ao mesmo tempo de certos seres humanos. É um assassinato o centro da história. Ou não é? É um personagem atormentado pelo passado pouco glorioso que lhe gerou arrependimentos tardios, ou uma constatação de que a vida pode ser aquilo que dela nos imbuímos para construir, sem a perspectiva de ir se ajustando pelos caminhos escolhidos ou em que somos levados? É para conferir que o prazer é muito. A gente não sai da leitura a mesma pessoa que nela entrou. Não se nos imiscuirmos no jogo dos espelhos da alma. É uma imprevisibilidade do início ao fim, o que torna a obra das grandes produções literárias modernas.
FUGA EM ESPELHOS
Guiomar de Grammont
Ed. Giordano, 2001
OBS: Há uma biografia da Autora no google que pode ser acessada digitando-se o seu nome.
1 comentários:
GOSTEI DESSE TREM!
ABRAÇÃO.
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