Sorvete

terça-feira, janeiro 05, 2010 3 comentários
Il Mare Davanti le Alture di Dieppea, Eugène Delacroix


Ela já era mulher quando lhe toquei o rosto. A pele lisa, ainda jovem, usurpava os raios do sol daquele fim de tarde. Na praia, nuvens fundiam-se ao distante, e o morro a nossa costa, antes escuro por esconder atrás de ti o sol, agora era de um verde intenso e claro. As senhoras esguias de meia-idade corriam pelo calçadão, perseguidas pelos olhares dos velhos que se sentavam à beira-mar no sentindo da própria malemolência que mesmo velha continuava igual. Os locais escolhidos aleatoriamente por meus olhos não correspondiam em nada aos meus pensamentos que só se prestavam naquele rosto iluminado. Clarice era seu nome antes de nascer, mesmo o pai tendo sugerido um outro que já não estivesse marcado de significados óbvios e simples. Diferentemente da sua simplicidade, a obviedade não era característica tal que poderia definir aquela jovem mulher, que captara a linda luz do crepúsculo; este que já não seria um “qualquer” na distância percorrida no meu curto percurso de vida até então. Quando reviro as minhas páginas da vida e trago este instante remoto na memória, o cheiro e os sons [frágeis ainda] se desprendem do passado e retornam ao presente, um torpor que em mim transcende o mundo. No entanto, dentro deste livro factual, Clarice constitui-se num único parágrafo. Simples, porém não óbvio. E mesmo hoje depois de anos, sempre que vejo uma menina com a boca borrada de sorvete, penso como seria rimar pelos lábios e pele de Clarice meus dedos já enrugados de tanto mar.


Peter Zoster

3 comentários:

Postar um comentário

Followers

 

©Copyright 2011 Sinestesia Cultural | TNB