Era natal e o espelho do carro que eu dirigia estava um tanto embaçado pela umidade relativa do ar que emergia naquela noite colorida. Angustiado, eu olhava cada vez mais ao retrovisor na tentativa de melhor estacionar o carro em frente à casa de Melinda. As minhas pernas tremiam ora de frio, ora de pavor de esguichar por ela o líquido quente da minha bexiga cheia. Era tanto álcool que corria por minhas veias e um gosto azedo que espreitava a minha língua, e vontade por vontade, era maior a de se fazer o mijo descer o quanto antes. Pelo espelho nada era certo, nenhuma forma estava coesa e nenhum sentimento era preciso, pois a chuva e a umidade diluíam a realidade como a vodka dissemina certa gordura em um copo de vidro. Só se via cores e brilhos, e os vultos negros dos outros carros parados a frente daquela casa me dava a sensação estranha de mais pavor. Pavor pelo mijo nas pernas e pavor por um pequeno acidente que denunciasse minha embriaguez. Com as mãos entre as pernas deixei o carro torto e corri suando pelo corpo suor ainda de tensão. Mão direita na maçaneta e abri a porta e antes de apertar a mão do primeiro espírito festivo corri direto para o banheiro. Nessas horas abrir o zíper de uma calça torna-se algo mais que difícil e as gotas de suor já rolavam pela minha testa, quase cegando os olhos. Levantando a tampa do vaso vi a água limpa e o cheiro de desinfetante transbordar o banheiro. O mijo e o alívio. Mas entre o mijo em si e o alívio refrescante existiu a forma do mijo na água da privada. A água transparente e o mijo amarelo misturaram-se aos poucos em redemoinhos e espumas, e a sensação de alívio que me abatia entorpecia aos poucos meus pensamentos. Assim que apertei o botão da descarga, vi Melinda esparramada pelo chão e bolhas que se chocavam, umas nas outras, pelo ar daquele banheiro. Melinda tinha cara de encanto e fantasia olhando as bolhas do seu arroto que tossia pela boca. Fiquei apavorado, pois não lembrava de maneira nenhuma de vê-la sentada naquele canto, inerte, entorpecida, encantada com brilhos que translocavam pela atmosfera daquele banheiro. Senti de imediato que ainda existia um resto de mijo na minha bexiga e a velocidade de reabrir o zíper não foi suficiente para colocá-lo pra fora da calça. Minhas pernas escorriam quente numa poça amarelada e com cheiro de álcool. Eu olhava para aquela mulher no canto, mas seus olhos de fantasia se transformavam em horror ao ver que ali, no chão de seu banheiro, havia mijo entre as bolhas. Lavei o rosto e de nada adiantou. Apertei a descarga do vaso e com o som triunfante de um susto repentino corri pela casa até fora, entrei no carro, olhei no espelho e vi que as luzes dos enfeites se desfaziam cada vez mais. Pus a chave e fui embora com medo de não sei o que.
Peter Zoster
Peter Zoster
P.S.: desculpem, mas esqueci de dizer que Melinda é uma personagem criada por Isa de Vírgulas no texto "Melinda e Melinda" postado no blog "Com licença, poética".
1 comentários:
Você conseguiu tirar o mal de dentro de si! rs
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