Oi, sou eu!

terça-feira, outubro 30, 2012 1 comentários





 Por Flor de Lis (Lis Celma Arantes)



A vida me deu mais do que me tirou. Com as perdas que tive, penso em libertação.  Do que ganhei, pouco ou muito, não importa, penso em prazer ou proveito. Das coisas boas que me aconteceram, aprendi a tirar o máximo de prazer e das coisas ruins, o máximo de proveito possível.

Penso que o único sentido da vida é o prazer. A vida é uma busca constante pelo prazer. Quando falo em prazer me refiro a todo tipo de prazer: ouvir a minha música preferida é um ato prazeroso. Tomar um Concha Y Toro é algo prazeroso, ler, comer um prato sofisticado ou simples arroz com feijão e torresmo, lavar a calçada com um jato bem forte de água (o meio ambiente que me perdoe), andar a pé pelo parque, cagar num vaso sanitário higienizado, hospedar num hotel cinco estrelas, viajar na primeira classe, tomar banho de piscina, Spa, cirurgia plástica para aumentar a beleza, a conquista do poder, conhecimento, autoridade, reconhecimento, respeito e credibilidade, pudor e honra, ao final de tudo isto só nos importa sentir prazer. Trabalhamos duro para ganhar dinheiro unicamente para custear tudo o que nos é prazeroso.

Eu encontrei prazer nas situações que me foram possíveis e tirei proveito dos erros e do mal sucedido. Aprendi a transcender diante de abominações, aprendi a sublimar a crueldade, aprendi a superar o desprezo, o desdém, o desamor e a dor física. Nunca permiti que amargura me submetesse, nunca permiti que a depressão me subjugasse. Nunca perdi a esperança, nunca perdi o prazer.

Hoje me considero uma pré terceira idade razoavelmente em forma, afinal só engordei 10 Kg nos últimos 15 anos, fiz uma “chapa” camada selagem que me deixou de cabelos lisinhos, sedosos e obedientes. Os pés de galinha só estão começando e eu uso uns cremes milagrosos que me deixam em paz. Abandonei algumas mágoas, perdoei outras, me livrei de todo e qualquer preconceito, me livrei das amarras, me libertei da obrigação de ser bem sucedida, me libertei dos que me faziam mal, escolho com quero me relacionar e descarto, sem o menor pudor, descarto aqueles com quem não quero qualquer envolvimento.

Nunca fui religiosa, nunca acreditei na existência de um Deus da forma curricular, nunca admiti o poder temporal ou espiritual da Igreja Católica, nunca fiz projeções para o post mortem, não vai ser agora que começarei. Guardo esta conversão para os meus últimos instantes de vida. Porque afinal, é morrendo e convertendo.

Não posso lhe dizer que sou feliz, eu ainda estou recolhendo e juntando os pedacinhos de felicidade que deixei espalhados pela vida inteira, e quando o mosaico estiver pronto, aí, poderei dizer: sou feliz. Pena que preciso de uma vida inteira para formar o mosaico da felicidade.

Se houvesse um estado próximo da felicidade eu o chamaria de prelúdio da felicidade e é neste estado em que eu me encontro agora. Mas de tudo isto que estou falando só me ocorreu há uns dois anos atrás, quando resolvi apertar o botão do “foda-se”.

Tudo começou de fato, quando contratei um amante profissional, isto é, paguei um cara de 26 anos para trepar comigo.  Querida, a juventude é irresistível! E eu sucumbi à luxúria. Eu com toda a minha experiência e conhecimento conduzi todos os movimentos, diferentemente do que ocorria quando era eu que tinha 26 anos. A partir daí, comecei a expurgar os meus medos, meus receios, meus pudores, meus preconceitos, minhas verdades inventadas.

Quando os gêmeos nasceram e fui abandonada pelo pai deles, desempregada, numa casa alugada e a minha outra filha com seis anos de idade, pensei que sofreria muito. Comecei, ainda de resguardo. Imediatamente iniciei um processo de calcificação da alma. Endureci. Endureci tanto que quase me transformei em um rochedo. Não verti uma única lágrima, não sofri, não ri, não me desesperei, não blasfemei, não pedi a ajuda de Deus. Não vivi. Passei dez anos trabalhando e cuidando dos meus três filhos. Fiz o que me foi possível fazer e fiz da melhor forma possível. Me dei, me doei de corpo e alma, me entreguei completamente a esta tarefa durante dez anos.

Um dia, despertei daquele transe. Saí daquele estado de quase embotamento, saí da reclusão,  saí da negação de mim mesma como mulher, como um ser do sexo feminino. Eu me considerava assexuada. Apenas um ser com aparência de mulher (um tanto andrógino, eu diria, mas sem conotação homossexual). Trabalhava fora, cuidava da casa, cuidava das crias e cozinhava. Todo o dinheiro que ganhei naquele período virou fezes imediatamente. Nenhum dos três filhos teve qualquer doença que me fizesse gastar muito dinheiro, apenas umas 3 ou 4 fraturas, alguns cortes, que somando as suturas dariam uns 40 pontos, sem levar em conta picada de cobra,  ferroada de abelha, lagartas de fogo e um dente quebrado ao disparar uma flecha.

Dei fé da minha existência no dia em que um dos gêmeos reclamou: “não aguento mais comer frango assado e bolo de fubá, você só sabe fazer isso”.  Pensei e fiz as contas: todos aqueles assados durante um mês  daria para comprar um bom par de sapatos para mim, ou uma blusa, ou uma calça feita por um alfaiate especialista em calças femininas.  Passei a servir arroz com feijão e bife de contrafilé com uma saladinha xexelenta aos domingos, e durante a semana, picadinho ou ensopado de batata com carne moída. Resultado: as refeições deixaram de ser variadas  e bem elaboradas e o meu guarda-roupa começou a receber algumas peças novas, humildes, mas novas.

Foi assim que saí do casulo  e ocorreu a metamorfose. Foi assim que a minha fênix renasceu: acordei numa manhã  de abril e pensei “ainda sou uma mulher, com 50 anos e cara de 49, mas mulher, e não um autômato”. Fiz uma declaração de amor a mim mesma, fiz um juramento de fidelidade a mim mesma e prometi nunca mais me abandonar. Prometi me transformar em uma nova mulher: renovada,  rejuvenescida, costumizada, desabrochada, desprendida, despojada. Me enchi de sonhos, ilusões  e fantasias  e comecei a ser o que eu queria ser aos 50,   quando tinha só 30.

Foi exatamente nesse ponto que contratei o tal profissional; bem, era a melhor forma de sair do celibato de 10 anos. Foi a coisa mais agressiva que fiz a mim mesma em toda a minha vida e que se revelou, após algumas sessões, a coisa mais delicada, mais suave e proveitosa e muito prazerosa que poderia fazer pra mim mesma, só pra mim. Um dia farei de novo, com outro é claro!

Por algum tempo tentei alguns namorados, mas logo desistia de cada um. Acho que tenho o dedo podre para homens. Resolvi adotar condutas masculinas com os homens: vou usá-los para o meu conforto por algum tempo, um de cada vez, né? depois descarto com as pontas dos dedos como se faz com um absorvente usado...  os homens, eu os vejo assim: para trepar, muitos; para namorar poucos; para amar nenhum.

Hoje, aos 52 anos resolvi aprender a dirigir automóvel e pilotar motocicleta. Pretendo ser uma velha porra-louca que anda de moto, curte rock e fuma maconha. Meu próximo passo é voltar à faculdade: Filosofia, Antropologia ou Estatística se eu tiver cabeça pra isso.

Se ganhasse na loto, montaria uma tabacaria de alto nível, para pessoas de alto nível, elegantes, finas, maduras, onde eu serviria cafés do mundo inteiro, licores e conhaques, algum petisco sofisticado, jornais do mundo inteiro e livros sobre arte, música, dança, ou outro assunto bacana que não pesasse o ambiente de descontração. Obviamente haveria cigarros, charutos, cigarrilhas, cachimbos e, se a lei permitir, maricas com.

Esta sou eu. A mulher que sou após tantos anos. Metade de mim é o que sempre fui, outra metade é no que me tornei e a terceira metade (?) é o meio em vivo, é o círculo com o qual me relaciono e absorvo dele todo o conhecimento e experiência que consigo.



Flor de Lis, meados de 2012. (Brasília, DF)

lis.celma@gmail.com

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