Borboleta e rosto de Hercilia Block: arte de Lúcia Nóbrega |
por Flor
de Lis (Lis Celma Arantes)
lis.celma@gmail.com
O
dia amanheceu lindo, Céu azul sem nuvens. O sol brilha bem na linha do horizonte, quando saio de
casa para o trabalho. Penso: que lindo dia para passear, andar à-toa, fazer
nada na rua, no parque, no jardim e cá estou eu, rigorosamente indo trabalhar.
Trabalho,
mas não gosto. Trabalho pelo dinheiro do qual preciso para custear meus
prazeres. Não trabalho por esporte, nem prazer, nem vocação e muito menos por
ideologia. Não há ideologia alguma em passar o dia socada numa sala de subsolo,
sentada numa cadeira de rodinhas, na
frente de um computador e falando e pensando e escrevendo e digitando
números, sempre números, valores, datas,
quem, quando, quantos, quanto, ah!
Queria
mesmo era sair de casa nesta tal manhã e
andar por aí, feito uma borboleta, se é que borboleta sai andando por aí. Bem, vou refazer a frase:
Queria mesmo era sair de casa nesta tal manhã borboletando feito uma borboleta,
é claro! Mas trabalhar é preciso. Durante a viagem vou selecionando os lugares
onde eu-borboleta pousaria. A estrada que uso passa por cima (sobre a ponte,
óbvio), de um riachinho que quase desaparece na época mais seca do ano. Quando
caem as primeiras chuvas, a água se avoluma e cobre as pedras do seu leito e às
margens, surgem mil florezinhas amarelas e milhares de borboletinhas também
amarelas. Da janela do carro, observo por breve espaço de tempo estas imagens e
que pelo horário, está contra o sol. Essa mistura de sol, água, flores e
borboletas é inacreditavelmente bela e prazerosa, porém, efêmera, pois o carro
passa acelerado por ali.
A
viagem segue e passamos por um condomínio residencial cercado de buganvilhas de
todas as cores, tão juntas e misturadas que se tem a impressão que são várias
árvores que possuem flores de todas as cores nelas mesmas. É uma cerca linda,
nunca deixo de olhar quando passo por ela.
Mais
à frente, há uma brecha entre as
chácaras que me permite avistar o horizonte
a quilômetros de distância e abaixo dele, uma depressão no relevo forma um vale belíssimo, suavemente enfumaçado pela
neblina que se forma ao amanhecer. Avistam-se umas casinhas aqui, outras lá,
algumas chaminés fumegando, uns pontinhos brancos no meio da vegetação, que julgo serem um rebanho de nelore
pastando. Chego a sentir o cheiro de
fogão à lenha misturado com o cheiro da bosta de vaca e entro numa espécie de
transe e o meu espírito volta instantaneamente à minha mais tenra idade quando
morava na Fazenda São Tomé. Esse momento é muito intenso, carregado de
lembranças e emoções, porém, efêmero.
À
medida que o carro avança em direção à
rodovia principal, essas coisinhas vão ficando para trás e às quais digo “até
amanhã”. Como sei que por um longo trecho da rodovia não há nada de
interessante para ver, abro o livro que tenho nas mãos e leio até quase o final
do Park Way, no ponto em que começa o declive da chegada ao Plano Piloto. Desse
ponto avistam-se, em linha reta, a
rodoviária nova, a Candangolândia grudada no Zoológico, o Park Shopping, e o
Sia; à minha direita, parte da Asa sul,
a belíssima ponte JK e um pedaço de água do Lago Paranoá; à esquerda, o Núcleo
Bandeirante, Riacho Fundo e Guará. Esta visão também é passageira, pois o
declive é acentuado e o carro está a 80 Km/h (vou inventar que o motorista,
dono do carro, obedeça ao limite de velocidade da via) e rapidamente atinge-se
o ponto mais baixo perdendo-se a visão do horizonte.
Chego
ao trabalho, para enfim, começar o dia como gente normal e não como
gente-borboleta. Por
que esses momentos de intensa beleza e prazer são tão curtos e o expediente de
trabalho é tão longo?
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