Por Flor de Lis (Lis Celma Arantes)
A vida me deu mais do que me tirou. Com as perdas que tive,
penso em libertação. Do que ganhei,
pouco ou muito, não importa, penso em prazer ou proveito. Das coisas boas que
me aconteceram, aprendi a tirar o máximo de prazer e das coisas ruins, o máximo
de proveito possível.
Penso que o único sentido da vida é o prazer. A vida é uma
busca constante pelo prazer. Quando falo em prazer me refiro a todo tipo de
prazer: ouvir a minha música preferida é um ato prazeroso. Tomar um Concha Y
Toro é algo prazeroso, ler, comer um prato sofisticado ou simples arroz com
feijão e torresmo, lavar a calçada com um jato bem forte de água (o meio
ambiente que me perdoe), andar a pé pelo parque, cagar num vaso sanitário
higienizado, hospedar num hotel cinco estrelas, viajar na primeira classe,
tomar banho de piscina, Spa, cirurgia plástica para aumentar a beleza, a
conquista do poder, conhecimento, autoridade, reconhecimento, respeito e
credibilidade, pudor e honra, ao final de tudo isto só nos importa sentir
prazer. Trabalhamos duro para ganhar dinheiro unicamente para custear tudo o
que nos é prazeroso.
Eu encontrei prazer nas situações que me foram possíveis e
tirei proveito dos erros e do mal sucedido. Aprendi a transcender diante de
abominações, aprendi a sublimar a crueldade, aprendi a superar o desprezo, o
desdém, o desamor e a dor física. Nunca permiti que amargura me submetesse,
nunca permiti que a depressão me subjugasse. Nunca perdi a esperança, nunca
perdi o prazer.
Hoje me considero uma pré terceira idade razoavelmente em
forma, afinal só engordei 10 Kg nos últimos 15 anos, fiz uma “chapa” camada
selagem que me deixou de cabelos lisinhos, sedosos e obedientes. Os pés de
galinha só estão começando e eu uso uns cremes milagrosos que me deixam em paz.
Abandonei algumas mágoas, perdoei outras, me livrei de todo e qualquer
preconceito, me livrei das amarras, me libertei da obrigação de ser bem
sucedida, me libertei dos que me faziam mal, escolho com quero me relacionar e
descarto, sem o menor pudor, descarto aqueles com quem não quero qualquer
envolvimento.
Nunca fui religiosa, nunca acreditei na existência de um Deus
da forma curricular, nunca admiti o poder temporal ou espiritual da Igreja
Católica, nunca fiz projeções para o post
mortem, não vai ser agora que começarei. Guardo esta conversão para os meus
últimos instantes de vida. Porque afinal, é morrendo e convertendo.
Não posso lhe dizer que sou feliz, eu ainda estou recolhendo
e juntando os pedacinhos de felicidade que deixei espalhados pela vida inteira,
e quando o mosaico estiver pronto, aí, poderei dizer: sou feliz. Pena que
preciso de uma vida inteira para formar o mosaico da felicidade.
Se houvesse um estado próximo da felicidade eu o chamaria de
prelúdio da felicidade e é neste estado em que eu me encontro agora. Mas de
tudo isto que estou falando só me ocorreu há uns dois anos atrás, quando
resolvi apertar o botão do “foda-se”.
Tudo começou de fato, quando contratei um amante
profissional, isto é, paguei um cara de 26 anos para trepar comigo. Querida, a juventude é irresistível! E eu
sucumbi à luxúria. Eu com toda a minha experiência e conhecimento conduzi todos
os movimentos, diferentemente do que ocorria quando era eu que tinha 26 anos. A
partir daí, comecei a expurgar os meus medos, meus receios, meus pudores, meus
preconceitos, minhas verdades inventadas.
Quando os gêmeos nasceram e fui abandonada pelo pai deles,
desempregada, numa casa alugada e a minha outra filha com seis anos de idade,
pensei que sofreria muito. Comecei, ainda de resguardo. Imediatamente iniciei
um processo de calcificação da alma. Endureci. Endureci tanto que quase me
transformei em um rochedo. Não verti uma única lágrima, não sofri, não ri, não
me desesperei, não blasfemei, não pedi a ajuda de Deus. Não vivi. Passei dez
anos trabalhando e cuidando dos meus três filhos. Fiz o que me foi possível
fazer e fiz da melhor forma possível. Me dei, me doei de corpo e alma, me
entreguei completamente a esta tarefa durante dez anos.
Um dia, despertei daquele transe. Saí daquele estado de quase
embotamento, saí da reclusão, saí da
negação de mim mesma como mulher, como um ser do sexo feminino. Eu me
considerava assexuada. Apenas um ser com aparência de mulher (um tanto
andrógino, eu diria, mas sem conotação homossexual). Trabalhava fora, cuidava
da casa, cuidava das crias e cozinhava. Todo o dinheiro que ganhei naquele
período virou fezes imediatamente. Nenhum dos três filhos teve qualquer doença
que me fizesse gastar muito dinheiro, apenas umas 3 ou 4 fraturas, alguns
cortes, que somando as suturas dariam uns 40 pontos, sem levar em conta picada
de cobra, ferroada de abelha, lagartas
de fogo e um dente quebrado ao disparar uma flecha.
Dei fé da minha existência no dia em que um dos gêmeos
reclamou: “não aguento mais comer frango assado e bolo de fubá, você só sabe
fazer isso”. Pensei e fiz as contas:
todos aqueles assados durante um mês
daria para comprar um bom par de sapatos para mim, ou uma blusa, ou uma
calça feita por um alfaiate especialista em calças femininas. Passei a servir arroz com feijão e bife de
contrafilé com uma saladinha xexelenta aos domingos, e durante a semana,
picadinho ou ensopado de batata com carne moída. Resultado: as refeições
deixaram de ser variadas e bem
elaboradas e o meu guarda-roupa começou a receber algumas peças novas,
humildes, mas novas.
Foi assim que saí do casulo
e ocorreu a metamorfose. Foi assim que a minha fênix renasceu: acordei
numa manhã de abril e pensei “ainda sou
uma mulher, com 50 anos e cara de 49, mas mulher, e não um autômato”. Fiz uma
declaração de amor a mim mesma, fiz um juramento de fidelidade a mim mesma e
prometi nunca mais me abandonar. Prometi me transformar em uma nova mulher:
renovada, rejuvenescida, costumizada,
desabrochada, desprendida, despojada. Me enchi de sonhos, ilusões e fantasias
e comecei a ser o que eu queria ser aos 50, quando tinha só 30.
Foi exatamente nesse ponto que contratei o tal profissional;
bem, era a melhor forma de sair do celibato de 10 anos. Foi a coisa mais
agressiva que fiz a mim mesma em toda a minha vida e que se revelou, após
algumas sessões, a coisa mais delicada, mais suave e proveitosa e muito
prazerosa que poderia fazer pra mim mesma, só pra mim. Um dia farei de novo,
com outro é claro!
Por algum tempo tentei alguns namorados, mas logo desistia de
cada um. Acho que tenho o dedo podre para homens. Resolvi adotar condutas
masculinas com os homens: vou usá-los para o meu conforto por algum tempo, um
de cada vez, né? depois descarto com as pontas dos dedos como se faz com um
absorvente usado... os homens, eu os
vejo assim: para trepar, muitos; para namorar poucos; para amar nenhum.
Hoje, aos 52 anos resolvi aprender a dirigir automóvel e
pilotar motocicleta. Pretendo ser uma velha porra-louca que anda de moto, curte
rock e fuma maconha. Meu próximo passo é voltar à faculdade: Filosofia,
Antropologia ou Estatística se eu tiver cabeça pra isso.
Se ganhasse na loto, montaria uma tabacaria de alto nível,
para pessoas de alto nível, elegantes, finas, maduras, onde eu serviria cafés
do mundo inteiro, licores e conhaques, algum petisco sofisticado, jornais do
mundo inteiro e livros sobre arte, música, dança, ou outro assunto bacana que
não pesasse o ambiente de descontração. Obviamente haveria cigarros, charutos,
cigarrilhas, cachimbos e, se a lei permitir, maricas com.
Esta sou eu. A mulher que sou após tantos anos. Metade de mim
é o que sempre fui, outra metade é no que me tornei e a terceira metade (?) é o
meio em vivo, é o círculo com o qual me relaciono e absorvo dele todo o
conhecimento e experiência que consigo.
Flor de Lis, meados de 2012. (Brasília, DF)
lis.celma@gmail.com
1 comentários:
Crônica profunda e transformadora, Lis Celma estará aqui no Sinestesia mensalmente. Para contatar a autora: lis.celma@gmail.com
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